A maior parte do genoma humano é composta por sequências de DNA que não codificam proteínas. Por muitos anos, acreditou-se que essa região não tinha função, sendo chamada de “DNA lixo”. No entanto, ao longo do tempo, descobriu-se que diferentes porções desse DNA guardam importantes funções celulares. Em especial, um grande grupo de RNAs não codificadores (ncRNAs), derivados desse DNA, ganhou especial atenção.
Embora não codifiquem proteínas, os ncRNAs desempenham diversos papéis biológicos na regulação da expressão gênica, atuando em todos os níveis do processo de regulação de um gene. Existem dois grupos principais de ncRNAs: os pequenos ncRNAs, que têm cerca de 40 nucleotídeos, como os microRNAs (miRNAs), e os long non-coding RNAs (lncRNAs), que têm mais de 200 nucleotídeos de comprimento.
Os lncRNAs têm se destacado na pesquisa oncológica, pois estão presentes em quase todos os tipos de câncer, como o câncer de pulmão, o mais comum globalmente entre homens e mulheres, sendo responsável por uma mortalidade que supera, inclusive, a dos cânceres de próstata, mama e cólon combinados. Os lncRNAs regulam vários alvos envolvidos na formação do tumor.
Durante o início e a progressão da doença, ocorrem muitas mutações que frequentemente resultam na formação de lncRNAs em vez de proteínas. Assim, esses lncRNAs conseguem se associar a outras moléculas e modificar processos como proliferação, migração, diferenciação, apoptose e morte celular, fatores fundamentais para o desenvolvimento do câncer, podendo levar à metástase, que é quando as células cancerígenas se disseminam para outras partes do corpo.
Mas, você sabia que nem sempre os lncRNAs regulam processos para formar o câncer? Eles também podem agir como supressores de tumor, reduzindo a possibilidade de uma célula normal se tornar cancerosa.
Devido a esses papéis variados, os lncRNAs são focos importantes na pesquisa contra o câncer, podendo atuar como marcadores em prognóstico e diagnóstico, além de agentes terapêuticos. Um exemplo disso é o MALAT1 (Metastasis-Associated Lung Adenocarcinoma Transcript 1), associado à metástase, e o GAS5 (growth arrest-specific transcript 5), envolvido na supressão tumoral e na sensibilização das células de câncer de pulmão à terapia.
O Núcleo de Ensino, Pesquisa e Inovação do Instituto Mário Penna possui pesquisadores que estudam lncRNAs e suas assinaturas genéticas, com o objetivo de melhorar a eficácia do tratamento do câncer. Até o momento, os resultados são promissores, demonstrando a associação da expressão de lncRNAs com a resposta ao tratamento do câncer de colo uterino, como foi demonstrado em estudo submetido para publicação na revista científica “Non-coding RNA Research”. Além disso, os lncRNAs identificados mostram grande potencial como marcadores de diagnóstico, prognóstico e monitoramento de pacientes.
Infelizmente, ainda há a necessidade de desenvolver técnicas que comprovem a aplicação na prática médica de resultados deste tipo, garantindo maior rapidez e eficácia em todo o processo. No entanto, os lncRNAs possuem uma excelente possibilidade de serem utilizados como biomarcadores, que podem ser acessados por meio de biópsia líquida (pesquisa no sangue de pequenas moléculas), um método menos invasivo, mais barato e eficaz, e que pode auxiliar no diagnóstico e no monitoramento da eficácia dos tratamentos.
Uma coisa é certa, tanto no câncer de pulmão quanto no câncer de colo uterino, assim como em outros tipos de câncer, os lncRNAs podem ajudar no diagnóstico precoce, aumentando as chances de sucesso no tratamento.
Fonte: Mestre e doutoranda, Bruna Custódio, aluna do programa de pós-graduação em Genética e Bioquímica da UFU em parceria com o Mário Penna, sob a co-orientação do pesquisador do NEPI, Dr. Fábio Ribeiro Queiroz.