Você já reparou como seu smartphone é capaz de reconhecer rostos em uma foto ou como as plataformas de streaming recomendam filmes que parecem feitos sob medida para você? Essas tecnologias são possíveis graças a sistemas de inteligência artificial (IA), que têm a capacidade de identificar padrões em dados complexos, como imagens e comportamentos. Mas o impacto da IA vai muito além do entretenimento e do dia a dia – ela também está transformando a ciência, especialmente na área da saúde.
No caso da análise de imagens, os sistemas de IA funcionam treinando computadores para reconhecer características específicas, como formas, texturas ou cores, a partir de exemplos previamente fornecidos. Essa tecnologia já é amplamente usada, por exemplo, em veículos autônomos para distinguir pedestres de sinais de trânsito ou em diagnósticos médicos para detectar anormalidades em exames de imagem, como mamografias.
Agora, imagine usar a mesma abordagem para ajudar a identificar alterações genéticas em casos de câncer. Parece ficção científica, mas é exatamente isso que um grupo de pesquisadores do Instituto Mário Penna, em parceria com a pesquisadora Thelma Fonseca, do Departamento de Engenharia Nuclear da UFMG, está desenvolvendo. O projeto, liderado pelos pesquisadores Ramon de Alencar, Izabela Gontijo e pela gerente de Pesquisa Translacional, Letícia da Conceição Braga, do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Inovação da instituição, iniciou no final de 2024 e explora o potencial da IA para analisar imagens histopatológicas – lâminas de tecido cancerígeno coradas e visualizadas sob o microscópio – em busca de pistas sobre o comportamento do câncer seroso de alto grau, um tipo agressivo de câncer de ovário.
O foco principal do estudo é prever a deficiência em genes associados à via de reparo de DNA chamada HRD (Deficiência na Recombinação Homóloga). Esses genes desempenham um papel essencial na capacidade das células de corrigirem danos no DNA. Quando essa via está comprometida, as células tumorais se tornam mais suscetíveis a certos tratamentos, como os inibidores de PARP, que são uma das terapias mais avançadas contra esse tipo de câncer.
A ideia é simples, mas revolucionária: ao invés de depender exclusivamente de testes genéticos caros e demorados, os pesquisadores buscam usar a IA para “ensinar” os computadores a reconhecer padrões microscópicos nas lâminas histológicas que possam indicar essa deficiência genética. A equipe está desenvolvendo modelos de aprendizado profundo – uma técnica avançada de IA – para identificar essas assinaturas visuais específicas, com o objetivo de tornar o diagnóstico mais rápido, acessível e preciso.
Esse projeto é mais do que uma inovação tecnológica. Ele representa uma esperança para pacientes com câncer de ovário, pois desta forma essa tecnologia pode um dia abrir caminho para tratamentos personalizados que aumentem as chances de resposta às terapias.
O uso deste tipo de método de inteligência artificial na oncologia ainda está em seus primeiros passos, mas estudos como este mostram um futuro em que a tecnologia pode ajudar a salvar vidas, promovendo diagnósticos mais rápidos e tratamentos cada vez mais eficazes. O trabalho realizado no Instituto Mário Penna é um exemplo inspirador de como a ciência e a inovação podem transformar desafios em novas possibilidades.
Autor: Ramon de Alencar Pereira, MSc, PhD em Patologia, MBA em Data Science & Analytics, Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Pesquisador do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Inovação do Instituto Mário Penna.