Entre 2001 e 2015, aproximadamente 2,3 milhões de mortes por câncer foram registradas no Brasil, e projeções indicam que esse número deve aumentar consideravelmente até 2030. Com essa crescente incidência da doença e seu impacto socioeconômico para o Sistema Único de Saúde (SUS), é crucial investir em estratégias que melhorem a detecção precoce e o tratamento efetivo dos pacientes.
Outro fator preocupante é que todas essas mortes representam uma perda significativa para a economia do país, representando 32 milhões de anos de produtividade perdidos.Todos esses aspectos indicam que o panorama da assistência ao câncer no Brasil exige investimentos estratégicos e políticas voltadas para a melhoria da qualidade dos serviços prestados e para a sustentabilidade do sistema público de saúde.
Nas mulheres, o câncer de mama é o mais incidente. No Brasil, são cerca de 74 mil mulheres diagnosticadas com essa doença por ano, representando 20,3% de todos os casos novos de câncer registrados.
Existem vários fatores de risco para o câncer de mama, e um deles, presente em cerca de 10% dos casos diagnosticados, é a mutação em genes de predisposição ao câncer. Mulheres portadoras de algumas mutações sabidamente relacionadas com a ocorrência de câncer, apresentam um risco consideravelmente aumentado para o desenvolvimento de câncer de mama comparado às não portadoras dessas mutações. Um claro exemplo disso, é a presença de mutação patogênica no gene BRCA1 que aumenta o risco de câncer de mama em cerca de 70% e de câncer de ovário para 40% ao longo da vida.
Diante deste cenário, há oito anos, a Lei nº 7.049/2015, conhecida como “Lei Angelina Jolie”, autorizou o SUS a realizar exames de detecção de mutação genética nos genes BRCA1 e BRCA2 em mulheres com histórico familiar de câncer de mama ou de ovário em todo o Rio de Janeiro.
Minas Gerais não ficou para trás
Em 2019, o estado foi a segunda Unidade Federativa a formular uma legislação. A Lei estadual nº 23.449, de 2019, assegura às mulheres com alto risco de desenvolvimento do câncer de mama e de ovário a realização gratuita do exame genético para a pesquisa de mutação em genes relacionados a essas doenças nas unidades públicas ou conveniadas do SUS. No entanto, a falta de regulamentação dessa lei limita sua aplicação e até hoje nenhuma ação foi efetivada na prática.
Para integrar esses testes de forma eficaz, numa nova jornada da paciente com câncer de mama com histórico familiar deve ser iniciada no SUS e, para isso, algumas ações são necessárias:
- Serviço de referência: criar serviços de referência com equipes multidisciplinares e especialistas na análise de exames genéticos para orientar as decisões clínicas e oferecer aconselhamento adequado.
- Melhoria do fluxo na rede de saúde: reduzir os prazos para consultas, exames e diagnósticos é essencial para que os pacientes recebam atendimento rápido e eficiente.
- Rede de apoio pós-procedimentos: desenvolver uma rede de apoio que ofereça suporte contínuo aos pacientes após a realização dos testes genéticos e intervenções
- Qualificação da atenção básica: profissionais de saúde devem ser capacitados para identificar pacientes de risco potencial e orientar sobre a importância dos testes genéticos.
- Sistema de informação: Implantar um sistema que monitore a população do grupo de risco e facilite o acompanhamento dos pacientes, através de um banco de dados robusto, estruturado e eficiente.
Compromisso e ação coletiva
“Defendo uma saúde de qualidade para todos e acredito que não podemos ser resignados e impassíveis diante do cenário atual da assistência diferenciada aos casos hereditários”, reforça Dra. Letícia Braga, Gerente de Pesquisa Translacional do Mário Penna.
Ela explica que Minas Gerais não enfrenta um problema de infraestrutura ou falta de pessoal técnico qualificado para implementação de um programa de testagem. O estado é reconhecido por suas diversas universidades e empresas de biotecnologia capazes de incorporar apoio à assistência e realizar os testes de forma custo-efetiva para o SUS. O problema reside no acesso e na qualidade das políticas públicas.
“Acredito firmemente que a solução está em unir esforços entre profissionais de saúde, pesquisadores, sociedade civil e gestores públicos a fim de garantir a eficácia plena dessa legislação, direcionando políticas de saúde pública para reduzir a incidência e melhorar o manejo de cânceres hereditários” finaliza a Dra. Letícia Braga.
Conheça o Grupo Consultivo de apoio à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais para regulamentação da Lei Estadual n.o 23.449/2019
- Annamaria Massahud Rodrigues dos Santos
Médica mastologista
Membro da Sociedade Brasileira de Mastologia – Regional Minas Gerais - Angélica Nogueira Rodrigues
Médica Oncologista
Subsecretária geral da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica - Maria Raquel Carvalho
Médica geneticista
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais - Letícia da Conceição Braga
Doutora em Ciências da Saúde
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais
Fonte: Letícia Braga – Doutora em Ciências da Saúde com ênfase em Oncologia de Precisão. Gerente de Pesquisa Translacional do Instituto Mário Penna